CARNIFICINA SOBRE RODAS

Manchetes de toda a semana: “Motorista embriagado perde o controle do veículo, atravessa canteiro central e mata cinco pessoas da mesma família que saía em férias. Dois jovens mociclistas morrem no perímetro urbano. Casal perde a vida em choque de automóvel com caminhão. Feriadão registra recorde de mortes em acidentes de trânsito. Ciclista é atropelado na margem da BR. Carro invade calçada, mata três e deixa cinco pessoas feridas.” Mudam de endereço, tipo e marca dos veículos envolvidos, idade e sexo das vítimas, mas o horror no trânsito não tem paradeiro.
Enquanto a tragédia não ocorre com um familiar próximo ou uma personalidade da cidade ou do meio artístico ou um de nós, este morticínio diário não mexe conosco, já faz parte do cotidiano. Parece estarmos amortecidos e impotentes diante deste pesadelo que ceifa mais de 110 vidas diariamente em todo o Brasil.
Há, com certeza, ingredientes explosivos contribuindo decisivamente para esta tragédia cotidiana. Estradas em más condições, velocidade excessiva, imprudência e despreparo dos condutores, embriaguez ao volante, veículos em demasia e muitos sem adequada manutenção.
Há três anos, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), o Brasil possuía 1.751.872 km de rodovias municipais, estaduais e federais. As estradas não pavimentadas, pasmem, eram a maioria, sendo 88,8% de estradas de chão, contra apenas 11,1% de rodovias pavimentadas, resultando em somente 196.093 km de vias asfaltadas.
O incentivo à aquisição de veículos automotores e as desonerações havidas durante a crise de 2009 impulsionaram o crescimento da frota. O total de veículos no país, na última década, mais que dobrou, aumentando 119%, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A frota circulante no território nacional atingiu 64,817 milhões em dezembro de 2010, mas a malha viária teve mínima evolução.
Afora uma possível “bolha” financeira no crédito para aquisição de carros e motos com um saldo financiado de R$ 188,6 bilhões, já falta espaço para circulação veicular nos espaços urbanos das médias e grandes cidades. O país tem uma media de um carro para cada 2,94 habitantes e as ruas brasileiras ganharam 5,456 milhões de carros entre 2009 e 2010.
Na outra ponta, a carnificina, como conseqüência deste, entre outros fatores: 40.610 pessoas morreram em acidentes de trânsito no Brasil no ano passado, um quarto delas em ocorrências envolvendo motocicletas.
E um dado alarmante sobre duas rodas: de 2002 a 2010, a quantidade de óbitos em acidentes com motos quase triplicou no País, saltando de 3.744 para 10.143 mortes.
O alarme segue em 2011, no primeiro semestre houve 72,4 mil internações de vítimas de acidentes de trânsito. Muitas delas resultaram em óbito ou seqüelas irreversíveis, com certeza.
A fiscalização de trânsito foi aperfeiçoada, com aumento de pessoal e melhoria de equipamentos, em especial nas grandes cidades, as penalidades foram arrochadas, as campanhas publicitárias exploram os horrores de quem perde a vida ou invalida em acidentes. Apesar disto, a foice inclemente continua se abatendo sobre vítimas indefesas ou imprudentes.
Algumas medidas já são anunciadas para mudar este quadro. No Judiciário, uma delas é decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar que dirigir bêbado, mesmo sem causar acidente, é crime. No julgamento de recurso impetrado por um motorista de Araxá (MG), acusado de dirigir embriagado, o ministro relator Ricardo Lewandowski afirmou ser irrelevante indagar se o condutor alcoolizado causou algum dano: “É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato, porque outros bens estão em jogo”.
Equivale a dizer que um pedestre bêbado é só um bêbado. Um motorista bêbado é um cidadão inconseqüente armado, com alto poder de letalidade.
No Legislativo, da mesma forma e na mesma direção, um projeto aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal traz mais rigor à Lei Seca (Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008). A proposta do senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES) modifica o Código de Trânsito Brasileiro e eleva para até 16 anos de prisão a pena para quem dirigir embriagado ou sob efeito de outras drogas, e provocar acidentes com morte. Além disso, baixa de seis decigramas por litro de sangue para zero a tolerância de nível alcoólico de quem estiver dirigindo, sob pena de multa e até prisão.
Além do etilômetro, se aprovada a mudança, também passam a valer outras provas como vídeos, testemunhas e sinais de embriaguez. O projeto segue tramitando no Congresso.
No que tange à Seguridade Social, a cujas portas acorrem inválidos, órfãos e viúvos do asfalto, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) começa a cobrar judicialmente de motoristas infratores o ressarcimento das aposentadorias e pensões resultantes de acidentes de trânsito. A primeira ação regressiva foi ajuizada pela Advocacia Geral da União (AGU) no Distrito Federal (DF). O motorista alcoolizado morreu ao dirigir em alta velocidade na contramão e o INSS agora está pagando pensão para a sua esposa. A colisão, em abril de 2008, no DF, causou a morte de cinco pessoas e lesões corporais em outras três. Desde então o INSS já gastou R$ 90,82 mil com benefícios em razão da ocorrência.
O INSS dispende R$ 8 bilhões anuais com as despesas decorrentes de acidentes de trânsito. As ações regressivas já estão sendo ajuizadas pelo INSS, na mesma linha das movidas contra empresas responsabilizadas por acidentes de trabalho.
Além, portanto de mais e mais campanhas de conscientização que devem começar na escola, de melhoria das condições de trafegabilidade de nossa malha viária, estas medidas, se colocadas em prática, trarão maior punibilidade às infrações e aos crimes cometidos no asfalto. Mas cada um deve ser também responsável pela redução da carnificina sobre rodas. (Vilson Romero)

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