A FALÁCIA DO ROMBO
O governo federal enviou ao Congresso Nacional em
dezembro passado a Proposta de Emenda Constitucional 287/2016, com uma série de
mudanças aos regimes de previdência vigentes no Estado brasileiro, entre elas:
a)
Fixação de uma idade mínima idêntica de 65 anos
para trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada, sem distinção de
categorias ou especificidades ou gênero;
b)
Extensão do teto de benefícios do Regime Geral
de Previdência Social, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) a todos os servidores efetivos dos Três Poderes e das três esferas de
governo, com determinação de prazo de dois anos para implementação obrigatória
de regime de previdência complementar.
c)
Extinção da aposentadoria por tempo de
contribuição, transformando em aposentadoria voluntária, por idade com carência
de 25 anos.
d)
Alteração nas regras de cálculo de benefício,
considerando tempo mínimo de contribuição de 25 anos.
e)
Eliminação das aposentadorias especiais de
policiais e professores do ensino fundamental;
f)
Proibição de acumulação de benefícios, em
especial, aposentadoria e pensão por morte;
Todas estas mudanças propostas tomam como base o
anunciado “rombo” das previdências dos servidores e trabalhadores em geral.
Mas, chega de falácias. É necessário passar a limpo
a atual discussão sobre esta reforma da Previdência Social, como se este debate
tivesse ocorrido, o que aí também é uma mentira.
Mas, outra grande mentira é a do déficit, como
comprovamos a seguir.
Inicialmente todos tem que ter consciência que a
Previdência Social integra um sistema de proteção social mais amplo insculpido
na Constituição Cidadão de 1988, denominado de Seguridade Social.
Pois este nosso “welfare state” (Estado do Bem Estar
Social) tupiniquim abrange o conjunto de ações envolvendo o tripé Previdência
Social, Saúde e Assistência Social.
As definições estão muito claramente inseridas nos
artigos 194 a 204 da Carta Magna, no capítulo “Da Ordem Social”.
A Previdência Social tem caráter contributivo e
filiação obrigatória, portanto quaisquer benefícios somente se houver o aporte
sobre o trabalho formal ou ocupação profissional.
A Saúde Pública é um direito de todos e, por
ironia, um dever do Estado.
E a Assistência Social, incluindo os benefícios de
prestação continuada (BPC) e o bolsa família, destinada a quem dela precisar.
Esse amplo modelo de proteção social dispõe de
diversas fontes de financiamento próprias e específicas, como contribuições
sobre a folha de pagamento de salário, sobre o lucro ou receita
bruta/faturamento das empresas, sobre as operações de importações de
mercadorias e mesmo parte relevante da arrecadação dos concursos de
prognósticos promovidos pelas loterias da Caixa Econômica Federal.
Analisando estes dados constitucionais e o
Orçamento da União e sua execução, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais
da Receita Federal do Brasil (ANFIP) divulga há 16 anos a “Análise da
Seguridade Social” e com abalizado estudo de economistas e sociólogos demonstra
a sucessiva condição superavitária do sistema de Seguridade Social brasileiro.
Só para mencionar a última década, cotejando as
arrecadações das contribuições sociais (previdenciária, Cofins, CSLL,
prognósticos e outras) com os dispêndios em programas sociais nas áreas da
Previdência Social, Saúde Pública e Assistência Social, os resultados positivos
foram de R$ 72,6 bilhões, em 2007; R$ 64,3 bi, em 2008; R$ 32,7 bi, em 2009; R$
53,9 bi, em 2010; R$ 75,7 bi, em 2011; R$ 82,8 bi, em 2012; R$ 76,4 bi, em
2013; R$ 55,7 bi, em 2014 e R$ 11,2 bilhões em 2015.
Como se vê, apesar da crise econômica e o início do
período recessivo, agravado pelo incremento da desoneração da folha de
pagamentos, ainda sim houve resultado positivo em 2015.
Dois fatos chamam a atenção. Primeiro, o saldo
positivo em 2015 acontece num ano repleto de dificuldades econômicas, o que
mostra a força do sistema de Seguridade Social. Ainda, todos os números
divulgados são levantados pela ANFIP com base em dados do próprio governo. Ou
seja, o governo conhece o superavit, mas insiste em usar o discurso do deficit
para promover sucessivas mudanças na Previdência, sempre de olho em ampliar (e
desviar) o caixa, nunca os benefícios dos trabalhadores.
Prova de que o governo reconhece o saldo positivo
são medidas como as renúncias fiscais com recursos previdenciários e a manutenção
do “nefasto” mecanismo denominado de Desvinculação de Receitas da União (DRU),
que sistematicamente retira parte do orçamento da Seguridade Social, para
outros fins que não os programas sociais.
Só a DRU, em 2012, usurpou R$ 58 bi das
contribuições sociais. O dano é continuado: R$ 63 bi em 2013 e mais R$ 63
bilhões em 2014. Para agravar o cenário, foi aprovada no Congresso Nacional em
setembro de 2016 a Emenda Constitucional 93/2016 que não apenas prorroga a DRU
até o ano de 2023, como amplia de 20% para 30% o percentual que o governo pode
retirar dos recursos sociais. Com a medida aprovada, pode ocorrer a saída de R$
120 bilhões por ano do caixa da Seguridade.
Outra questão menosprezada pelo reformistas diz
respeito à importância sócio-economica da Previdência para a Nação brasileira.
O INSS para pontual e religiosamente mais de 33
milhões de benefícios, incluindo cerca de 10 milhões de aposentadorias por
idade, 7,5 milhões de pensões por morte, 5,5 milhões de aposentadorias por
tempo de contribuição e 3 milhões de aposentadoria por invalidez, entre outros.
Se avaliarmos, conforme as estatísticas que cada
beneficiário do INSS sustenta, em média dois outros cidadãos, teremos mais de
90 milhões de brasileiros dependentes do Regime Geral de Previdência Social. Ou
seja, quase metade da população deste nosso país continente.
Da mesma forma, a economia das pequenas e médias
comunidades se movimenta às custas dos recursos carreados pelo seguro social
nacional. Parcela expressiva dos 5.568 municípios brasileiros deixaria de
existir se não lhe fossem destinados os valores devidos aos milhões de
beneficiários do INSS da jurisdição.
Em 70% deles ( 3.875), o valor repassado aos aposentados,
pensionistas e demais beneficiários da Previdência a cada mês supera os repasses
advindos do Fundo de Participação dos Municípios ( FPM). Além disto, em 82% das
pequenas e médias cidades, ou seja, em 4.589, os pagamentos aos beneficiários
do Instituto Nacional do Seguro Social superam a arrecadação municipal. Fica
evidente a essencialidade da manutenção do sistema previdenciário para que a economia dessas cidades se mantenha.
Portanto, fragilizar a Previdência Social não é
matéria de interesse dos trabalhadores e trabalhadores ativos ou aposentados
dos diversos setores e das mais variadas regiões de nossa Nação.
Percebe-se por trás das manobras reformistas a
tentativa de implementar uma “ditadura demográfica”, mas acima de tudo, reduzir
a atual estrutura previdenciária a cada vez mais um programa de renda mínima,
onde o Deus Mercado possa abocanhar parcelas expressivas dos recursos
bilionários movimentados a cada período.
Não é à toa que se noticiam tantas maravilhas dos
planos de previdência privada, dos regimes de capitalização como saída
milagrosa para a poupança nacional.
Se prosperar a tal reforma, nos moldes defendidos
pelo governo, o sonho da aposentadoria pode virar pesadelo em vida, ou nem
isso, porque muitos podem morrer antes de desfrutar um pouquinho sequer dessa
conquista.
Como falarem idade mínima, e ainda por cima igual
para homens e mulheres, quando vivemos em um país com dimensões continentais,
repleto de variadas desigualdades regionais? A título de exemplo, um homem no
Pará nasce com a expectativa de vida de 64 anos enquanto, para uma mulher de
Santa Catarina, esse número ultrapassa os 80 anos.
Para lutar contra esse verdadeiro ataque à
sociedade brasileira é que propusemos alguns ajustes, mas não somente com olhos
orçamentários, atuariais e matemáticos.
Sugerimos, juntamente com as centrais sindicais,
aperfeiçoamento no lado das fontes de financiamento. Iniciativas como a revisão
ou o fim das desonerações das contribuições previdenciárias sobre a folha de
pagamento, a alienação, por leilão, de imóveis da Previdência Social e de
outros patrimônios em desuso, o fim da aplicação da DRU sobre o orçamento da
Seguridade Social, bem como a criação de um programa ou de instrumentos mais
ágeis de recuperação do elevado volume de dívida ativa com a Previdência
Social.
Também é fundamental melhorar e intensificar a
fiscalização sobre o setor, com aumento do número de Auditores Fiscais direcionados
a esta atividade e o aperfeiçoamento da gestão e dos processos de fiscalização.
Não podemos ignorar a necessidade de rever as
alíquotas de contribuição para a Previdência Social oriundas do subsistema
rural, do setor do agronegócio, que pode e deve contribuir mais para assegurar
a aposentadoria do trabalhador e da trabalhadora do campo.
Mas, acima e além disto, o cidadão tem que
conscientizar e assumir a defesa intransigente da manutenção dos direitos
sociais, bem como da gestão transparente da Seguridade Social, sempre na
direção do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social pública e
solidária.
Só assim poderemos manter melhor este guarda-chuva
social, verdadeiro patrimônio dos brasileiros e das brasileiras.
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