A GELADEIRA DOS PARASITAS
Em julho de 2017, a Lei n° 13.464 trazia o resultado de meses de atuação da Mesa de Negociação entre servidores e governo federal, com uma parcial recuperação de perdas salariais que foi parcelada até janeiro de 2019.
Portanto,
o salário dos servidores da União se encontra congelado desde então. O governo
e o Congresso ameaçam com muito mais, num evidente estrangulamento daquela
parcela da população que ainda permanece em condições equilibradas para manter
os níveis de consumo e por consequência minimizar a crise.
O
estudo Três Décadas de Evolução do Funcionalismo Público no Brasil (1986-2017),
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que, em 32 anos, o
funcionalismo público ampliou 123%, com o número vínculos subindo de 5,1
milhões para 11,4 milhões. Mesmo com o avanço, a máquina pública nacional é
menor que a média dos países desenvolvidos. Cerca de 12,1% da população ocupada
trabalhava no setor público em 2017, menos do que os 18% de média das nações da
OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e até do que
países de tradição liberal como os EUA (15,2%) e a Grã-Bretanha (16,4%).
Cabe
ressaltar que apenas um em cada dez servidores públicos tem vínculo na União. O
aumento em quantitativo de funcionários se verificou com mais expressão nos
municípios, onde houve um crescimento de 276%, passando de 1,7 milhão para 6,5
milhões, enquanto aumentou em 50% na esfera estadual e em 28% na esfera
federal, incluindo civis e militares. No caso dos municípios, diz o estudo, 40%
das ocupações correspondem aos profissionais dos serviços de educação ou saúde
como professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.
Por
outro lado, a sociedade, com respaldo do Congresso, foi muito ousada e
vanguardista ao defender na Constituição de 1988 que a “saúde é direito de
todos e dever do Estado”. A crise da Covid-19 chegou como um tsunami que exige
ação coletiva dos três níveis de governos, da iniciativa privada, das
organizações não governamentais (ONGs) e dos cidadãos. São nesses momentos que se
sobressaem os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS): universalidade,
integridade e equidade. Na crise, volta a discussão sobre o papel do Estado e
de seus funcionários, em especial das atividades essenciais, como a da saúde.
Nos
últimos tempos, os servidores voltaram a ser alvos. Autoridade federais os
estereotipam como “parasitas” e em recentes manifestações exageraram no
vernáculo ao dizerem que o funcionário "não vai ficar em casa trancado com
geladeira cheia, assistindo à crise enquanto milhões de brasileiros estão
perdendo emprego".
O
próprio Banco Mundial atesta que o Brasil gasta o equivalente a cerca de 13,1%
do PIB com salários do funcionalismo público, incluindo todas as esferas e
poderes, abaixo de cerca de 15 nações que investem muito mais neste setor para ter
qualidade no atendimento à sociedade.
Numa
crise como a atual, há profissionais de muitas áreas indispensáveis na linha de
frente. No serviço público ou na iniciativa privada, o que não faltam são
pessoas comprometidas com o futuro do país.
Além
de serem tachados de “parasitas”, agora autoridades federais acusam ou “culpam”
o funcionalismo de ainda ter recursos para manter a roda da economia girando, adquirindo
produtos e abastecendo sua geladeira, enquanto 7 a 8% da população ainda não
tem nem o eletrodoméstico.
Com
geladeira cheia ou não, estender a mão a quem precisa faz parte da índole do
povo e do conjunto dos servidores públicos, principalmente a grande maioria que
ganha pouco mais de um salário mínimo, incluindo horas extras e adicional
noturno.
Os
“parasitas” são também homens e mulheres, chefes de família que já estão com salários
congelados desde 2018, na União. Em muitos estados não viram ainda a cor da
gratificação natalina de 2018 e 2019.
Inequivocamente,
os servidores já estão dando sua cota de sacrifício e, paradoxalmente, estão à
frente da luta contra a pandemia. São os profissionais de saúde, os
pesquisadores, os servidores de Assistência Social e Segurança Pública que
estão na retaguarda. São os auditores da Receita que estão nos portos e
aeroportos desembaraçando insumos e equipamentos que vão ajudar na crise sanitária,
são os diplomatas tentando repatriar milhares de brasileiros, enfim, diversas
áreas em plena atividade. São os servidores da segurança pública que contribuem
para manter a normalidade apesar das tensões naturais decorrentes do isolamento
social.
As
recentes declarações denegridoras da categoria por parte de autoridades federais
são falácias, impropérios e destemperanças que nada contribuem para o clima de
unidade e harmonia dos brasileiros para o enfrentamento da pandemia.
Os
mais de 11 milhões de servidores públicos, na União, Estados, Distrito Federal
e municípios, têm entregue o melhor de si, tanto em forma presencial como em “home
office” dentro das prerrogativas de cada cargo e função. E uma parcela
expressiva cada vez mais tem consciência de seu dever, convalidando a condição
de que não são servidores de governo e sim do Estado brasileiro.
E
graças à sua dedicação, podem repudiar a pecha malfadada, mentirosa e
despropositada de “parasitas” e, com o suor de seu rosto e trabalho, manter a
geladeira “relativamente cheia”. Torçamos todos para a pandemia acabar logo,
rezando para que os cidadãos deem respostas positivas ao #ficaemcasa.
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jornalista, auditor fiscal aposentado, vilsonromero@yahoo.com.br, fone/zap
51-981174488
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